sábado, 31 de outubro de 2009

Emendas participativas: um pleno exercício de democracia!

O exercício participativo no modelo de democracia contemporânea é possível e funciona. Entretanto, é preciso querer, pois dá muito trabalho. Descobri isso ontem, 30/10/2009, na prática, ao comparecer e acompanhar o processo "Emendas Participativas", conduzido pelo mandato do deputado federal Gláuber Braga (PSB-RJ).

Meu objetivo é descrever em tópicos os pontos que me chamaram atenção no evento acontecido na quadra da G.R.E.S. Unidos da Saudade. Em suma, como conclusão, destaco que, apesar dos pesares, ainda resta esperança. Espero, a seguir, conseguir contar os motivos que me levam a esta crença:

1. O evento reuniu cerca de 300 pessoas. Contou com a presença do vice-prefeito de Nova Friburgo/RJ e de dois vereadores entre autoridades representativas locais que pude identificar. Minha função, auto-estabelecida, foi observar o processo a fim de descrevê-lo o mais detalhadamente possível a seguir. Me impressionou a maturidade, desenvoltura e energia do deputado na condução de todo processo. Muitos podem falar que se trata de mera estratégia de visibilidade em período pré-eleitoral, mas isso não é legítimo? Quem dera que todos os políticos adotassem esta estratégia ao invés de criticar uma iniciativa louvável e nada fazer neste sentido, preferindo apenas as reuniões técnicas de gabinete ou os holofotes televisivos.

2. O processo se iniciou com uma breve apresentação, entre 5 e 10 minutos, da trajetória do mandato, assumido em janeiro deste ano. Assume a "loucura" que é prestar contas e tentar estabelecer uma forma participativa de deliberar e destinar a verba de R$ 10 milhões que qualquer deputado federal tem para alocar em projetos de sua escolha, anualmente, na forma de emendas. Esta é a primeira, mas não é a única, inovação promovida pelo mandado do deputado Gláuber Braga (PSB-RJ). Me refiro ao mandato porque acredito que um mandato não é só a pessoa que o representa, no caso o próprio Gláuber, mas sim toda uma estrutura e equipe que atuou incansavelmente no evento de ontem.

3. Esta primeira inovação, por si só, garantiria a minha ida ao evento. Ora, é muito mais conveniente, e menos trabalhoso (e, por essas duas razões, talvez seja a prática corrente), que o legislador destine esta verba para onde bem entenda atender suas promessas e acordos estabelecidos ou identifique como "tecnicamente melhor". Entretanto, observo que a preocupação do deputado foi estabelecer uma nova forma de se fazer política porque tenta estabelecer um mandato transparente. É neste contexto que analiso o processo das emendas participativas. Desta forma, a inovação política a que me refiro se traduziu, inicialmente, em um projeto pedagógico de cidadania, compreendendo esta palavra como algo a ser conquistado, que nunca poderá ser "dada de presente".

4. O processo em si. Ando lendo muito sobre Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português que defende um retorno à simplicidade das coisas e a elaboração de um conhecimento prudente para uma vida decente. Pude confirmar o quanto um processo simples e transparente tem força. A explicação sobre o processo em si deve ter consumido uns 10 minutos do tempo do evento. As etapas, e aí entra outra inovação (na etapa indicada pelo número I), bem mais empolgante que o fato de consultar a população (potencial de inovação inicial que me atraiu):

(I) qualquer pessoa presente poderia indicar quantos pontos de possível alocação de recursos que julgasse necessário, independente de pertencer ou não a uma instituição, configurando uma lista de questões (esta etapa durou mais de uma hora, lembrando que o deputado mediou pessoalmente todo o processo e quem já mediou reuniões comunitárias sabe o que isso significa em termos de desgaste físico, mental e emocional). Cabe destacar que não destaquei qualquer ponto.

(II) o deputado comentou cada ponto pessoalmente (salvo engano, lembro de serem 44 pontos destacados), destacando a inviabilidade de determinadas questões, o limite de outras e também a convergência entre pontos colocados por pessoas diferentes, sugerindo então uma junção sempre que possível (esta etapa durou quase uma hora e restaram 39 pontos, salvo engano).

(III) defesa feita por aquelas pessoas que foram disciplinadas na etapa I e apenas citaram sua demanda (porque na etapa I muitos citaram e defenderam...). Duração de 15 a 20 minutos.

(IV) primeira consulta com utilização de uma cédula para que todos os presentes definissem o número de emendas (ou de projetos) a serem indicadas. Mais 15 minutos e a definição de que seis emendas seriam indicadas.

(V) segunda consulta com utilização de cédula para que todos os presentes definissem quais emendas seriam indicadas. Durou cerca de 15 minutos.

(VI) apuração, "ao vivo e a cores".

5. Saí assim que entreguei minha indicação. Não fiquei para a apuração, mas confio que foram escolhidos os seis projetos que as pessoas presentes consideraram o melhor para Nova Friburgo/RJ naquele momento, naquela hora (eram quase 22hs). Também não me importava mais saber quais foram os projetos contemplados (meu objetivo era conhecer o processo de inovação que potencialmente vislumbrava), tendo em vista que tinha outro compromisso naquele instante (e já estava atrasado).

6. Depois, liguei para um colega (que chegou depois e ficou até depois de mim) e soube que a apuração se estendia para além das 22:30. Resolvi o compromisso, voltei para casa. Estava muito satisfeito como o tinha vistovividosentido. Sentia, e continuo sentindo, que é possível fazer (colocar em prática) o que venho defendendo: que as esferas participativas não sejam restritas às instituições da sociedade civil (cada vez com menos pessoas participando, infelizmente...), incorporando e incentivando participações individuais, com direito a voz e voto nos processos de tomada de decisão coletiva. Portanto, a etapa I que descrevi é, de longe, a essência da inovação, o que alavanca todo processo "Emendas Participativas".

7. Hoje vim a saber, enquanto escrevia este artigo, pelo próprio deputado (que postou no Twitter) quais foram os projetos que serem contemplados por uma emenda parlamentar a partir do ano que vem. São eles: (I) projeto de inclusão social de jovens, envolvendo CUFA e Instituto Girasol, (II) transporte para o Lar Abrigo Amor a Jesus, (III) equipamentos para tratamento de cancêr, (IV) reforma da escola Vale de Luz, (V) espaço para tratamento de dependentes químicos, (VI) reforma da escola de Vargem Alta.

8. Neste sentido, cabe destacar que o fato de serem "indicações individuais" não deixou de contemplar certas associações, ONGs e até mesmo estruturas ligadas à prefeitura municipal de Nova Friburgo/RJ. Também não deixou de beneficiar a coletividade novafriburguense. Creio que está na hora de começar a desvelar a perniciosa distinção moderna entre o individual e o coletivo, mas isso é tópico para outra longa prosa.

Este é um relato particular do que viouvisenti ao estar na quadra da G.R.E.S Unidos da Saudade, entre 17:50 e 21:30 do dia 30/10/2009. Evidente que, por ser particular, é limitado, apresenta lacunas. Entretanto, acredito que consegui destacar a emoção de perceber que nem tudo está perdido, que existem as possibilidades democráticas, com base em diálogo, sensatez, serenidade. Também é bom demais ver um jovem deputado, com seus 27 anos de vida, deflagrar, de fato, a renovação dos processos de democratização da política.

Alguns podem alegar que o universo de R$ 10 milhões envolvido nas emendas é pequeno demais. De fato é! Mas, para a população da região centro-norte fluminense, de cerca de 350 mil habitantes, não é tão somente uma questão de recursos financeiras, mas sim uma semente de ampliação da cidadania, do entendimento mútuo e do diálogo público democrático entre um representante eleito com votos desta região e a população. Isso caracteriza o que estou aqui qualificando como inovação.

Por fim, o fato de uma emenda estar indicada pode, na medida em que gradualmente a população veja as indicações feitas se transformando em realidade nas ruas e na sua vida cotidana, implicar em um aumento da confiança, tão necessário nos dias atuais, na eficácia da participação, individual e coletiva. Trata-se de um sinal de que vale a pena participar porque isso pode mudar as coisas ao nosso redor.

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